sábado, 15 de setembro de 2018

A séria Graça

O título acima foi o mesmo que dei num dos primeiros trabalhos do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco. O professor pediu para os alunos do segundo período fazerem um perfil – um tipo de narrativa jornalística que retrata pessoas. Ousado, escolhi uma apresentadora de TV que fazia muito sucesso. O ano era 1995. Eu era um aprendiz de qualquer coisa. E ela já era Graça Araújo. 
 Na lista telefônica, achei o número da TV Jornal. Expus o pedido à produção: Oi, quero fazer uma entrevista com a jornalista para um trabalho de universidade e tralalá.
Pela naturalidade do interlocutor do lado de lá da linha esse tipo de pedido era habitual. E, assim como a maioria, a resposta para mim foi positiva. Graça Araújo ia me receber! 
O título que escolhi para o perfil - e para esse texto aqui 23 anos depois - foi pobre, um caco com o nome da apresentadora (não duvido que na época deva ter achado superinteligente). Mas, no fundo, tinha lá seu sentido. Graça, sobre o ofício, era exigente, séria. Antes de ser com os que trabalhavam ao seu lado, era consigo mesma. E isso ficou registrado na lembrança juvenil daquele estudante. 
- Eu tinha tudo para dar errado. Mulher, órfã, preta, pobre, nordestina.
A frase dita, gravada, abriu meu texto. Era uma soma que dava, para Graça, um único resultado: ela não podia falhar. A auto exigência fez da jornalista referência em todas as posições: no estúdio de TV ou de rádio, lendo teleprompter, no improviso, na entrevista. Ah, as entrevistas de Graça. 
Políticos, então, não saíam ilesos. Sem perder a elegância jamais, a entrevistadora os desnudava. Lembro-me uma em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não gostou quando Graça o interrompeu para corrigi-lo durante uma resposta.
FHC saiu-se com essa: “Vá me desculpando, mas presidente é presidente”. A frase até entrou para as vinhetas históricas da Rádio Jornal. 
Para quem não teve o prazer de assisti-la ou ouvi-la, a definição do colega Gil Luiz Mendes dá uma parte da dimensão de Graça Araújo para o jornalismo: “Graça é a nossa mistura de Oprah Winfrey com Fátima Bernardes. É unanimidade.” 
Por ser quem era - pela origem e pela obstinação na formação e na conduta, somados ao carisma inato - Graça dialogava sem filtros com a população, principalmente a parte mais pobre. Especialmente com as mulheres. Quantas e tantas não foram as opiniões marcantes contra o feminicídio, o racismo, os direitos violados. 
Trabalhei com Graça por poucos meses. E, mesmo em canais diferentes, quando a encontrava, sempre tive a generosidade como resposta, assim como foi na primeira vez, quando o estudante lá em 1995 entrevistou a jornalista já consagrada. 
Festeira com a vida, séria com a profissão, indignada com as injustiças. Graça, querida, você tinha tudo era pra dar certo. E deu.

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A apresentadora Graça Araújo morreu no Recife, no dia 8 de setembro de 2018, vítima de um AVC, aos 62 anos.

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