Eu não tinha nem dois meses de Rio de Janeiro. No relógio, batiam duas da tarde do dia 31 de maio de 2012. Já com a pauta na mão, sou interrompido no corredor pelo chefe de reportagem. Mudança de planos: no lugar do treino do Botafogo, eu deveria ir para a sede da Confederação Brasileira de Futebol, na Barra da Tijuca.
A advogada de Ronaldinho Gaúcho, Gislaine Nunes, acabava de
protocolar na CBF o pedido de rescisão contratual com o Flamengo. R10 cobrava o
pagamento de salários atrasados, recolhimento do Fundo de Garantia, entre
outros débitos. Uma conta de 40 milhões de reais. Liminar concedida pela Justiça
do Trabalho carioca. Ronaldinho tava de saída.
Nossa equipe só tinha um número de telefone e a pressa.
Liguei para doutora:
- Olá, Dona Gislaine, sou André Gallindo.
- Quem?
- André Gallindo, repórter do Globo Esporte aqui no Rio de
Janeiro. E estou querendo confirmar uma informação.
- Meu querido, estou ocupada agora, me ligue em dez minutos.
Na cara. Não deu tempo nem pro até logo.
Seguimos com a Zona Oeste na rota: Jardim Botânico, Gávea,
Rocinha...
Opa, dez minutos.
- Olá, Dona Gislaine. Eu liguei agora há pouco.
- Quem é?
- Sou André...
Reapresentação interrompida.
- Certo, pode dizer.
- Quero confirmar se a senhora protocolou mesmo o pedido de
rescisão na CBF e desejo gravar uma entrevista com a senhora.
- Sim, mas agora não dá pra falar porque estou indo para o Aeroporto
Santos Dumont, vou voltar para São Paulo.
Despiste.
- Mas a senhora não está na sede da CBF?
Pausa no outro lado da linha.
- Peço que o senhor ligue novamente em 10 minutos.
Sem chance para tréplica.
A dúvida e o engarrafamento foram companheiros de espera.
Não demos meia volta. São Conrado, Elevado, Barra...
Dez minutos britânicos depois.
- Olá, Dona Gislaine.
- Quem é?
- Sou eu, André, liguei duas vezes agora há pouco. Quero
gravar com a senhora sobre o caso Ronaldinho.
- É o seguinte, vou entrar em reunião com o meu cliente
agora e...
Antes que ela pedisse para eu ligar dali a dez minutos,
aproveitei a deixa:
- Pois, então, faça-me um favor. Pergunte se o seu cliente
topa falar sobre o que aconteceu porque está todo mundo o acusando disso e
daquilo e essa é uma chance que ele tem de se defender.
Silêncio.
- Me ligue em dez minutos.
Nos abraçamos à mínima chance. Antônio Paiva sentou o pé e
rumamos para a casa do cliente famoso. Demos plantão na portaria do condomínio
de luxo na Barra da Tijuca.
Mais uma ligação no tempo pedido.
- Alô.
Dessa vez, voz de homem do lado de lá.
- Alô, é o telefone de Dona Gislaine?
- Sim, quem é?
- Aqui é André Gallindo.
- Quem?
- André e tralalálálálá.
Repeti apresentações e argumentos.
O assistente de Gislaine disse que ela e o cliente estavam
avaliando se haveria entrevista.
Em mais um punhado de minutos, o meu telefone toca.
- André, um carro está indo aí lhe buscar.
Entramos. Ruas de mansões adentro, paramos diante de uma casa
de grama bem aparada, pé direito alto e parede branca. Passamos por um segurança,
cruzamos uma porta de três por três até uma sala com mesa de jantar
tamanho-engenho.
Advogada, prazer, André.
Lá no fundo, em outra sala, apenas a tela de um note book ilumina o rosto do cliente.
Cumprimento Ronaldinho de longe. Oi. Opa.
Assis, irmão e empresário, chega. Reexplico o que havia dito pelo telefone.
Fechado. Digo apenas que temos pressa. O tempo para enviar a reportagem era
mínimo.
A Lei de Murphy entra em cena.
O operador procura um ponto de energia para ligar a
iluminação. A lâmpada não acende.
Assis se diverte com a situação.
- Que lâmpada é essa? Nunca a energia falhou nas nossas
festas.
Novo cenário escolhido. Uma sala aos fundos, cuja parede
lateral é coberta por um armário, repleto de instrumentos musicais: tantan,
pandeiro, surdo, tamborim. Uma mini bateria de escola de samba poderia ensaiar
ali.
Édson Magalhães acerta o ângulo. Podemos começar.
Só falta o entrevistado.
Assis assovia.
Os irmãos se entendem pelo código.
Ronaldinho chega saltando o sofá. Posicionado.
Só que antes do play-rec,
novidade de última hora:
- Uma pergunta apenas.
Assis determina.
Finjo que não entendo. Faço seis. Mesmo econômico R10 responde
a todas. Pouco mais de cinco minutos depois, tento a sétima...
- Mas, Ronaldinho, por que você não avisou à diretoria que
não iria para o amistoso no Piau...
Outro assovio.
Ronaldinho olha para Assis. Papo encerrado.
Dali a uma hora e meia, o Jornal Nacional exibiria a
reportagem abaixo.
Um título carioca, 74 jogos e 28 gols depois, R10 se
despedia do rubro-negro via tribunal e, publicamente, via JN.
A história mostraria que não era o fim da carreira.
Ronaldinho e o Atlético Mineiro se uniriam numa parceria vitoriosa.
O Palmeiras pretendia ser o novo destino do jogador. R10 seria
anunciado no aniversário de 100 anos do clube paulista.
O negócio não foi fechado por pouco.
Faltou um assovio.