quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Porque escolhi Jornalismo

Escolhi jornalismo na fila do Banco Econômico.
Não havia jornalistas em minha família. Por ser aluno errático em Matemática e Biologia, inapto em Química e Física, corri para a área de Humanas. Nessa fuga, cheguei ao período de inscrições nos vestibulares em 1994 com um punhado de opções: Publicidade, Direito, Jornalismo...
Pois a moça do caixa do finado banco foi a única testemunha quando a minha canhota fez um X na profissão de Armando Nogueira.
Fiz estágio em assessoria, impresso, rádio, tv. Pronto, fiquei.
De vez em quando, no começo de minha trajetória televisiva, eu recebia ligações com o prefixo 736.
As ligações vinham da casa 83 da Rua Prefeito Caetano Gomes, a principal de São Caetano - miúda cidade no agreste de Pernambuco.
Do outro lado, minhas tias avós.
- Dé, acabei de te ver – dizia Balia.
- Tava lindo - completava Tia Lita - mesmo com a catarata e os 5 graus de miopia.
Mas não se contraria os mais velhos.
Maria, Tia Balia, era professora do mobral, ajudou a tirar conterrâneos do analfabetismo. Carmelita, Tia Lita, teve loja de tecidos e foi contadora. Seu livro verde enorme fez fama escriturando o fluxo de caixa dos comerciantes da cidade.
Mas a principal profissão das duas foi ser mãe adicional dos irmãos mais novos, sobrinhos, sobrinhos netos... dezenas de filhos que as filhas de Caetana, biologicamente, não tiveram.
Jerimum, feijão de corda, carne de sol, tareco, queijo de manteiga, cueca, meia. O conteúdo se repetia nas caixas de papelão amarradas com barbante e endereçadas por Lita e Balia para cada casa de parente no Recife. Do lado de fora, uma carta. Em letras trêmulas, o carinho preocupado. ‘Alda, como estão os meninos?’
O jornalismo televisivo me levou para o mundo. Enquanto as retinas permitiram, as telespectadoras da sala da casa 83 de São Caetano permaneceram fieis.
Essa semana, a audiência particular ao repórter da família ficou menor. Tia Lita, aos 90 e alguns anos, se foi.
Levei um tempo para compreender as razões do destino para a escolha da minha profissão.
Hoje, tenho certeza de que marquei aquele X na fila do Banco Econômico também para ficar mais perto de Tia Balia e de Tia Lita.

Liga de novo, Percol!

E Leandro Damião prensou a bola entre as pernas, lançou por trás do próprio corpo encobrindo o adversário argentino. Na casa do adversário. Aplaudido pela torcida adversária.

Isso foi em 2011. No dia seguinte, o telefone toca. Do outro lado, um filho abre o baú de memórias. ‘Claro que eu vi, Percol. Drible foda. Como é? Teu pai que inventou?’.


Antes de ser o filho do criador da lambreta, Percol já era, para mim, o cara da turma de Pipa. Ou de Maracaípe.

Depois, o Percol de Cecília, com quem eu e Mona brindamos um ano novo desses em Noronha. Lindos e felizes.

Mais frequentemente, era o Percol das cadeiras da Ilha do Retiro. Paixão pelo Sport que ele herdou do pai, Carlinhos, o homem que, pela primeira vez que se tem registro, deu uma lambreta em campos brasileiros.

Foi nos anos 50.

E o ponta do Sport Carlinhos Leal prensou a bola entre as pernas, lançou por trás do próprio corpo encobrindo o adversário alvirrubro. Na casa do adversário.

Esqueci de perguntar a Percol se Carlinhos foi aplaudido pela torcida do Náutico.

Faz um imenso favor a todos nós, Percol, liga de novo.

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Carlos Augusto, 36 anos, era assessor do ex-governador Eduardo Campos e estava no avião que vitimou sete pessoas na última quarta-feira. Percol, como era conhecido, deixa Cecília, uma legião de amigos e o Sport Club do Recife.

Texto publicado, originalmente, no Blog Futebol Nordestino, do Globoesporte.com:
http://globoesporte.globo.com/pe/futebol-nordestino/platb/